E-book "Estúdio Literário - Elas, uma escrita de si"
- mulheresquemehabitam
- 27 de fev.
- 6 min de leitura
O projeto Estúdio Literário – Elas, uma escrita de si reverberou em um e-book, no qual as participantes apresentaram textos em prosa e poesia, além das aquarelas que produziram.
Nesta postagem, compartilho trechos dos textos conforme foram apresentados no sarau de encerramento do projeto, mas convido vocês a conhecê-los na íntegra por meio do link ao final desta publicação.

Ela era corajosa. Elas todas foram e são corajosas. São a maioria. São muitas. Tão iguais e tão diferentes. São mães, avós, tias, filhas, madrinhas, primas e escritoras. Mulheres escritoras. Escrevem sobre tudo, escrevem sem caneta, sem lápis e sem papel. Escrevem enquanto passam o café, enquanto os dedos pressionam o prendedor de roupas no varal, ou as teclas do teclado do computador. Escrevem enquanto seus pés descansam alguns minutos do cansaço sem fim. Escrevem em seu próprio rosto quando lágrimas e sorrisos contam, ao chuveiro, os pesos e as conquistas do dia. Elas sempre escreveram. Viver era escrever. Eu escrevo e viver ainda é escrever. Eu acho que escrevo por elas, por mim, pelas que virão. (Tátila Colin)
"O fugaz da impermanência alivia e pesa"No momento em que minha mãe informava que o jantar já seria servido, aquele homem, de quem eu tanto tinha medo, saía de casa rapidamente e logo retornava acompanhado de uma mulher. Nesse momento, os filhos, passavam a ser seus sobrinhos e minha mãe se tornava sua cunhada. Para que não houvesse risco de alguém se rebelar e o chamar de pai, ele se antecipava, colocando sob a mesa, uma arma de fogo, que sempre ficava em sua cintura, apontada na direção de minha mãe. Todos comíamos quietos, mal nos olhávamos e aquelas cenas passaram a fazer parte da rotina da minha família. (Mirna Elias)
"Sua força impulsiona multidões"Aos 14 anos, em um momento que deveria ter sido de descoberta e crescimento, fui forçada a enfrentar a realidade de me tornar "mulher". Não foi algo natural ou desejado, mas uma imposição, um peso que caiu sobre mim de maneira cruel. A inocência que restava foi arrancada, deixando em seu lugar um vazio profundo, uma dor que eu não sabia como preencher. Naquele dia, compreendi que a palavra "mulher" carregava significados que iam além da força e da resiliência que eu tanto via nas mulheres ao meu redor. Para mim, se tornar mulher foi sinônimo de perda, de dor, de uma maturidade precoce que eu nunca escolhi, mas que fui obrigada a abraçar. (Renata Andrade)
Aceito que estar de bem comigo é o mais importante.
“Te amo”, repito pra mim."Corrente de Dentro" e "Corrente de Fora"
Obras de Duda Pandorf
...quando comecei a aprender a ler e escrever, essa descoberta foi tão incrível que desejei e me esforcei para alfabetizar minha avó. Consegui ensiná-la a escrever seu nome, MARIA, e me emociono com a lembrança da felicidade que senti ao ver minha vó tão feliz com essa conquista. Creio que foi daí que surgiu o meu interesse pelo ato de ensinar e aprender, o que mais tarde me levou a me tornar professora. Saudades de você, minha vó Mariquinha! (Sandra Albachiare)
Empilhei tudo o que era importante pra mimEu estava na segunda série do ensino fundamental, tinha oito anos de idade. Na minha escola, haveria uma festa junina e todos estavam muito empolgados com os festejos. O grande dia chegou, e uma das minhas irmãs me arrumou: pintou meu rosto, como é de costume nos festejos juninos, vesti uma saia linda de florzinhas pequenas e uma blusinha branca. Eu era extremamente tímida e, ao chegar na escola, fiquei num cantinho, certa de que seria chamada para dançar. Minha inocência, que durou por longos anos, não me deixava perceber que eu não seria escolhida para dançar, como aconteceu com as meninas brancas, que eram consideradas bonitas segundo os padrões da época. Aquele foi o primeiro momento em que tive contato com a dor do racismo. (Edilânia Jesus)
Ontem ela veio me visitar e trouxe uma sacola cheia de saudade.
Criança faz uma bagunça...Um lugar... Uma casa... Um lar... Tal lugar, dentro e fora de mim, ao meu redor, distante ou perto, podendo ser eu mesma. Casa, residência, construção que eu fiz como ponto de partida pois mereço ter um lugar de abrigo para descansar minha alma cansada pelas inúmeras lutas que enfrentei; enfrento, enfrentarei! O lar, para chamar de meu, com afago, com carinho, com quem me importo, descobrindo com amigos e colegas, sem negar, o que realmente sinto, doando tudo de mim, dessa mulher estonteante e poderosa com muito a oferecer e praticar. Essa sou eu! Muitíssimo eu mesma!!! O futuro pode até ser incerto, porém, minha convicção, confiança, resistência e fé estão por perto! (Joy.cee)
Chacoalha pra afastar o mau e pra ecoar o som da explosão da minha coragem
Dali a pouco, já no carro, indo pra festa, sentada no banco traseiro, a caçula, recolhida de seus escombros, era um farrapo removido dos entulhos de um terremoto. Por volta dos 10 anos, tentava encontrar um jeito de disfarçar os olhos vermelhos das lágrimas e as pernas riscadas de vincos que ardiam tanto. Mas o que latejava mais ainda dentro de mim, era a vergonha de me verem com a cara inchada de choro, numa noite feita, naquele calorão de dezembro, pra gente ganhar boneca, tomar sorvete e ficar acordada até tarde. Como num momento de tanta alegria havia espaço para anteceder toda aquela dimensão de dor, toda aquela impotência, toda aquela revolta sangrando no meu corpo de menina? (Maria Paula Pelagarde)
O som do apito avisa o fim, mas eu ainda nem comeceiFui embora daqui esses dias e me encontrei. Saí vendo o mundo com a beleza que ele merecia. Tirei fotos, sorri, cantei, rimei, observei, tirei conclusões e amei. Amei o jeito que me encontrei indo embora. (Duda Pandorf)
No silêncio do céu, encontro a paz. Resiliente, sigo o itinerário.Sentada no chão com seu rádio no colo, lágrimas curtas, com um coração pulsante e cheio de saudades. O nome dessa saudade: Belarmino. Que carinhosamente o chamava de Belo. Ele era Belo em tudo, no nome, como marido, pai e amigo. Mas um dia, por defender uma mulher que estava sendo agredida em um bar, lhe tiraram sua vida. Ficou ali uma mulher que quase não enxergava e cinco filhos. A mais velha tinha dez anos, a mais nova tinha quatro. Era minha mãe, que já conhecia letras e palavras. Na missa de sétimo dia do falecimento de Belarmino, o padre quis levá-la para um convento para estudar, mas sua mãe não permitiu, pois levar sua filha era tirar dela, mais uma parte do amor da sua vida. (Carminha)
A simplicidade também é complexa e me conduz
para momentos que me completam
As mulheres da minha família são muito fortes. São guerreiras natas, já tiveram que ser fortes desde muito cedo. Muitas delas nasceram em outro país, com outra cultura, outra realidade, mas por motivos diversos vieram parar aqui no Brasil, onde é terra natal de outra parte das mulheres da minha família. Hoje, escrevendo essas linhas, me deparo com tanta coragem que todas precisaram ter para de certa forma, suportar a dura caminhada. As que nasceram aqui, oriundas dos povos originários, tiveram que tirar forças, nem sei de onte, pois foram “pegas a laço”. (Rosangela Guarizo)
Me protejo e me defendo com o chacoalhar
que manifesta minha essência e naturezaQuando eu era criança, estava na casa de uma amiga quando minha mãe foi me buscar, dizendo que eu tinha escrito uma carta muito mal-educada para um menino que era meu amigo e também amigo do meu irmão. Naquele dia, apanhei e fiquei toda marcada, cheia de hematomas. Era o aniversário da minha prima e eu fui para a casa dela assim, toda machucada. Não sabia o que fazer para esconder as marcas, então fui de calça e pedia para minha mãe não mostrar as marcas que ela havia feito em mim, mas ela me obrigava a mostrar para todo mundo. Depois, descobri que foi o meu irmão quem escreveu a carta com xingamentos para o menino, mas era sempre eu quem apanhava, com guarda-chuvas, correntes e tudo o que se possa imaginar, e enquanto eu chorava, ele ria da minha dor. (Tatiana)
Me vi no reflexo das bolas de Natal.
Naquela noite, eu me senti bonita e dancei até a noite acabar.“Eu tive que crescer antes do tempo porque o meu avô faleceu e eu fiquei morando com minha avó. Então, era tudo eu. Eu para fazer compra na cidade, eu para ir para roça, eu para levar comida para os trabalhadores, eu para buscar água... enfim, tudo eu e eu. E eu chorava no caminho da roça e dizia: “Aff, aqui é tudo eu, só eu!” isso com uns 8 anos de idade. Hoje, adulta, essa palavra se repete por várias vezes; ela me acompanha a todo momento, só que agora acompanhada de esforço, de responsabilidade, em tentar ser sempre forte. Até hoje ainda choro e repito: “Tudo eu...” (Kilvane Pankararu)
Com entusiasmo, vejo a vida doce, com aroma de café passado na hora.Para acessar todo conteúdo do e-book, clique no link abaixo:
O projeto Estúdio Literário – Elas, uma escrita de si foi bonito, potente e, sobretudo, revolucionário e afetivo! Que venham as próximas edições!
Esta postagem faz parte da série de contrapartidas do projeto Elas, uma escrita de si, beneficiado pela Lei Paulo Gustavo de São Bernardo do Campo, por meio do Edital 23/2023 – Estímulo à Leitura e à Escrita em Bibliotecas Públicas Municipais.















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