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A CULPA NÃO É DA VÍTIMA

Atualizado: 27 de abr. de 2021

Vítimas de estupro não podem ser responsabilizadas por esta violência. Entendam: A CULPA É DO ESTUPRADOR E NÃO DA VÍTIMA!



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Tenho participado ativamente de rodas de conversa sobre a desconstrução do patriarcado e de relacionamentos abusivos, a fim de alimentar o meu processo de escrita. As discussões acontecem por meio de uma rede social e são sempre muito inflamadas, porém, na maioria das vezes, acolhedoras, pois, mulheres que passam por estas rodas narram sobre as dores causadas pelo fenômeno, cada vez mais recorrente, da violência contra elas, sobretudo no espaço doméstico e, para que tudo se torne mais leve, há sempre palavras de conforto e acolhimento na recepção destas histórias.


São discussões e debates que tem surtido um efeito catártico em muitas mulheres, e de muita aprendizagem para alguns homens, que se colocam num processo de escuta a fim de compreender sobre nossas pautas e nossas lutas. Homens, que se dispõem a se colocar como aliados para que, juntos possamos desconstruir esta estrutura homicida do patriarcado, que se compõe nociva, secularmente, a toda sociedade.


Ontem, durante um debate sobre abuso sexual, um dos homens, desconhecido da roda, pronunciou-se sobre o caso da adolescente Liana e de seu namorado Felipe que saíram de casa, escondidos dos pais da menina, e foram vítimas de um assassinato cruel. Neste caso, Liana sofreu estupro coletivo antes de ser brutalmente assassinada pelo, também adolescente, conhecido como Champinha. O caso aconteceu em 2003 e pode ser conferido neste link da reportagem da Revista Super Interessante. https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-matador-adolescente-champinha-e-o-crime-que-chocou-o-brasil/


Precisamos falar sobre isso! Não específicamente sobre Liana, mas sobre o jornalista! Precisamos jogar luz aos comentários cruéis e perversos que este homem presente na roda de debates fez, e que representa o pensamento de muitas pessoas da sociedade brasileira.


O jornalista deu início a sua fala anunciando-se como cristão e, na sequência, justificou que o estupro sofrido por Liana aconteceu como consequência de seu comportamento rebelde, ao escolher sair escondida da casa de seus pais. Gostaria de ressaltar aqui sobre a fala do jornalista começar anunciando-se como cristão, e fazer uma conexão com Jesus Cristo, um homem que pregou aos seus fiéis o amor ao próximo, sem julgamentos.


Partindo desta premissa gostaria de discorrer sobre as múltiplas violências que as vítimas de abuso sexual sofrem, por conta do julgamento da sociedade ao responsabilizá-las pela violência sofrida, mas antes vou reproduzir um trecho da obra O CALIBÃ E A BRUXA, mulheres, corpo e acumulação primitiva, de Silvia Federici, para que possamos seguir com esta reflexão.

Todavia, no final do século XV foi posta em marcha uma contra revolução que atuava em todos os níveis da vida social e política. Em primeiro lugar, as autoridades políticas empreenderam importantes esforços para cooptar os trabalhadores mais jovens e rebeldes por meio de uma maliciosa política sexual, que lhes deu acesso a sexo gratuito e transformou o antagonismo de classe em hostilidade contra as mulheres proletárias. (...) Na França, as autoridades municipais praticamente descriminalizaram o estupro, nos casos em que as vítimas eram mulheres proletárias solteiras raramente tinha como consequência algo além de um puxão de orelhas, até mesmo nos casos frequentes de ataque em grupo (...) O mesmo ocorria na maioria das cidades francesas. Nelas, o estupro coletivo de mulheres proletárias se tornou uma prática comum, que se realizava aberta e ruidosamente durante a noite, em grupos de dois a quinze que invadiam as casas ou arrastavam as vítimas pelas ruas sem a menor intenção de se esconder ou dissimular. Aqueles que participavam desses “esportes” eram aprendizes ou empregados domésticos, jovens e filhos das famílias ricas sem um centavo no bolso, enquanto as mulheres eram meninas pobres que trabalhavam como criadas ou lavadeiras, sobre as quais circulavam rumores de que eram “mantidas” por seus senhores (...) Para estas mulheres proletárias, tão arrogantemente sacrificadas por senhores e servos, o preço a pagar foi incalculável. Uma vez estupradas, não era fácil recuperar seu lugar na sociedade. Com a reputação destruída, tinham que abandonar a cidade ou se dedicar à prostituição (...) Porém, elas não eram as únicas que sofriam. A legalização do estupro criou um clima intensamente misógino que degradou todas as mulheres, qualquer que fosse sua classe. Também insensibilizou a população frente à violência contra as mulheres (...). FEDERICI, 2017 p.103.

Quando li este livro pela primeira vez, muitas coisas fizeram sentido sobre a minha existência como mulher, mas quando me deparei com este trecho, senti vontade de vomitar. Eu me senti violentada, neste modelo de moeda de troca, neste processo de dominação do meu corpo, neste julgamento incabível que a sociedade destinava a estas pobres vítimas. A partir daqui gostaria de refletir sobre hoje, sobre como ainda somos moedas de troca, como ainda nossos corpos não nos pertencem, como ainda somos julgadas pelas violências que sofremos.


Retornando à roda de conversa de ontem e à fala completamente misógina e irresponsável do jornalista, o que aconteceu após esta justificativa sobre o caso de Liana, foi o levantamento de um debate necessário e primordial acerca deste assunto: A VÍTIMA DE ESTUPRO PODE SER RESPONSÁVEL POR ESTA VIOLÊNCIA?


O trecho do livro de Federici refere-se ao século XV, véspera da violenta Idade Média, em que se deu a sangrenta Caça às Bruxas, mas ainda hoje, século XXI, pessoas munidas das ferramentas da Santa Inquisição insistem em julgar e punir as vítimas de violência sexual. As respostas sobre a pergunta que gerou o debate foram categóricas: "Não há justificativas para o criminoso violentar uma mulher, não podemos diminuir a responsabilidade do estuprador porque a VÍTIMA usava esta ou aquela peça de roupa, porque a VÍTIMA teve este ou aquele comportamento, porque a VÍTIMA estava em horários convidativos para estes crimes, porque a VÍTIMA... Estupro é crime e o único responsável por este crime é o estuprador."


Até quando as pessoas continuarão violentando as vítimas já violentadas pelo abuso sexual? É muito difícil compreender que ninguém tem direito ao corpo de uma mulher sem sua autorização? É difícil entender que não é não, e quando uma mulher é forçada a relação sexual, seja com marido, namorado, amigo, ou com quem desconhece, isso se caracteriza como estupro e a culpa é do agressor? Quantas vezes ainda seremos violentadas pela sociedade quando depois de toda dor que sofremos pela consumação do abuso, ainda temos que responder sobre nossas roupas, nossos comportamentos, nossos horários, entre outras perguntas incabíveis, para tentarmos justificar a violência que sofremos e a falta de culpa sobre ela?


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PAREM! SÓ PAREM!


Estes julgamentos silenciam e matam mulheres, muitas não têm coragem de buscar acolhimento, apoio, socorro, por vergonha, por culpa, por medo de se expor e seguir taxada na sociedade como responsável pela agressão que sofreu. Conseguem entender como isso é perverso?


Não somos objetos, não somos sujeitos sem importância, não damos o direito de se apropriarem de nossos corpos, então tirem suas lupas de cima de nós, e coloquem sobre nossos agressores, e dêem suas punições a eles. Eles sim, são os violadores dos nossos direitos e precisam ser responsabilizados por isso! ENTENDAM, A CULPA É DO ESTUPRADOR E NÃO DA VÍTIMA.


Senhor jornalista fecho este texto com um recado para o senhor. Liana foi violentada pela segunda vez ontem, quando o seu julgamento sobre a escolha dela, a fez refém de um estuprador assassino. Ontem, o seu julgamento contra Liana, fez uma mulher, que foi estuprada dos três aos onze anos por seu padrasto, chorar, pois, ela nunca teve como se defender, ela nunca o provocou, e nunca teve como se proteger destas agressões. Por favor! Basta! A vítima não tem culpa e você não tem o direito de continuar cometendo a violência de seu julgamento contra ela! Como um cristão sugiro que o senhor se aproxime mais de Jesus Cristo e se afaste da Santa Inquisição.


BASTA!



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Referências

FEDERICI, Silvia. Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Tradução Coletivo Sycorax. São Paulo. Elefante. 2017.


Revista Super Interessante. Publicado em 30 ago 2017, 12h48

https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-matador-adolescente-champinha-e-o-crime-que-chocou-o-brasil/



 
 
 

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Eu sou Claudia Jordão, autora dos livros "Mulheres que me habitam" e "EU TU ELAS", ambos publicados pela Alpharrabio Edições.

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