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Calibã e a Bruxa, meu chão e raiz

Atualizado: 24 de fev. de 2021

Quando eu estava na oitava série, atual nono ano do Ensino Fundamental I fui apresentada à Marx. Compreendi durante um trabalho escolar algumas pautas da ideologia marxista, assim como a estruturação do sistema capitalista. Naquela idade eu não tinha muita maturidade para compreender certas complexidades que envolviam o feudalismo e a transição deste período para o capitalismo. Mesmo sem muita maturidade para tais compreensões eu não me recordo de, nesta atividade escolar, ter encontrado alguma informação sobre o papel das mulheres neste processo estrutural e convencional do sistema capitalista.



Silvia Federici, historiadora e autora do livro

"Calibã e a Bruxa, mulheres, corpos e acumulação primitiva"


Passei pelo Ensino Médio, cursei dois anos e meio de Administração de Empresas, onde tinha as disciplinas de Economia e História da Administração. Cursei Letras, pós-graduação em Teatro, e não estou aqui elencando minha formação acadêmica a fim de apresentar o meu currículo, mas para reforçar a ideia de que em nenhuma destas trajetórias acadêmicas tomei ciência da função imputada às mulheres neste processo de efetivação do sistema de acumulação de capital.


Há aproximadamente três anos, fui apresentada à Silvia Federici, pesquisadora e historiadora italiana que há mais de 30 anos investiga o que houve com as mulheres durante a instalação do capitalismo. O resultado desta investigação está na obra CALIBÃ E A BRUXA, mulheres, corpos e acumulação primitiva, que apresenta um panorama da luta e resistência das mulheres neste longo período de instalação do capitalismo, que as colocou num processo cruel de opressão.


Segundo Federici, o período do feudalismo foi marcado por muita luta, “pois as pessoas percebiam que estavam sendo afastadas da terra e de suas vidas comunitárias naquele tempo que viria ser reconhecido como um embrião do capitalismo”.

Até então, as mulheres cuidavam das terras, dos animais, da natureza, eram profundas conhecedoras de ervas e exerciam autonomia sobre seus corpos. Ali, os processos reprodutivos estavam em pé de igualdade com a produção, afirmou Silvia Federici durante o lançamento do livro, aqui no Brasil.


Toda liberdade exercida pelas mulheres passou a ser cerceada durante a Idade Média, com forte influência da Igreja, que instituiu a caça às bruxas, punindo mulheres sábias, resistentes, irreverentes, curandeiras, ou qualquer uma que fosse contra o sistema em vigência, sob ameaça e condenação de serem queimadas em praça pública.


“Ocorreu assim, muito lentamente, uma separação da produção e da reprodução, e uma hierarquização da divisão sexual do trabalho”, diz Federici. Desta forma as mulheres passaram a ser moldadas para obedecer, assumir as funções domésticas e exercer o trabalho reprodutivo, ter filhos, ou melhor, reproduzir a mão de obra e alimentar o sistema capitalista em lenta, porém firme expansão.

O grande problema é que a reprodução dentro do sistema capitalista não é vista como um trabalho, mas como um dom natural biológico. As mulheres, afastadas do trabalho remunerado, tornaram-se dependentes financeiramente dos homens, que passaram a ser os provedores das famílias e desta forma passaram a ter domínio sobre as decisões da casa. Com o tempo, este formato familiar de opressão passou a ser naturalizado, porém, segundo Federici eram bases criadas para o sistema capitalista, e que funcionam até hoje”.


“Estamos acostumados a pensar na caça às bruxas como algo que já passou, mas sempre que o capitalismo bambeia, voltamos a experimentá-la. É uma história do presente”.

Calibã e a Bruxa, mulheres, corpos e acumulação primitiva foi lançado aqui no Brasil em 2013, com tradução do Coletivo Sycorax e apoio da Fundação Rosa Luxemburgo em formato de PDF, que segue no link abaixo, e foi lançado também em formato físico pela Editora Elefante, no ano de 2017.


A partir do contato com esta obra histórica e necessária para a compreensão da nossa construção social como mulher, eu compreendi o funcionamento desta cruel estrutura que sempre nos regeu. Costumo dizer que esta obra foi um divisor de águas na minha existência, pois acompanhar estas trajetórias de lutas e opressões cruelmente vivenciadas por mulheres como nós, colocou-me para experimentar sentimentos de horror, raiva, libertação e desejo de resistência.


Federici libertou-me de muitas culpas que, secularmente, a nós foram impostas, despertou em mim profundo asco a este sistema machista, patriarcal, opressor e cruel. Proporcionou-me sentimentos de horror a toda violência ofertada, injustamente, àquelas mulheres tratadas como “bruxas”, com as quais eu me identifico, e que por mim foram levadas às fogueiras. Tirou-me do meu lugar de conforto e despertou em mim o desejo de resistência e luta, desejo de justiça por todas as mulheres oprimidas anteriores a mim e desejo de fortalecimento a todas as mulheres que vierem depois de mim.

E é deste lugar que minha pesquisa encontrou chão e raiz para construir a obra Mulheres que me habitam.












Clique na imagem do livro e tenha acesso ao PDF da obra, disponibilizado pelo Coletivo Sycorax.


Acesse aqui, entrevista realizada pela Revista Trip, com Silvia Federici, durante sua passagem pelo Brasil.

 
 
 

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Eu sou Claudia Jordão, autora dos livros "Mulheres que me habitam" e "EU TU ELAS", ambos publicados pela Alpharrabio Edições.

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