Dossiê "Eu Tu Elas"
- mulheresquemehabitam
- 9 de fev. de 2024
- 8 min de leitura
Resultado da enquete realizada em fevereiro de 2022 para o projeto "Eu Tu Elas".

Durante o processo de pesquisa para "Eu Tu Elas", elaborei um questionário para convidar mulheres a participarem de um diálogo. O formulário foi disponibilizado online com o objetivo de coletar dados para elaborar informações estatísticas que estivessem alinhadas com os objetivos deste trabalho, ou seja, compreender os impactos que os abusos sexuais, principalmente os sofridos na infância, têm na vida das mulheres na fase adulta.
Enquanto formulava as perguntas, percebi que estas não poderiam ser superficiais; precisavam de uma explicação mais aprofundada, pois muitas mulheres com as quais havia entrado em contato até então não reconheciam sua condição de vítimas de abuso, pois associavam estupro apenas à penetração.
Julguei importante apresentar as diferentes formas de abuso sexual na infância para que as mulheres que tivessem acesso ao formulário pudessem conscientizar-se sobre as diversas maneiras pelas quais essa violência se manifesta.
O formulário começava com a informação sobre a possibilidade de gatilhos relacionados à violência sexual, com o objetivo de não expor as vítimas à situações que despertassem gatilhos emocionais acerca dos possíveis abusos que sofreram. O texto, em sequência a este alerta, apresentava estatísticas como as que iniciam este capítulo e seguia com algumas informações sobre o projeto.
"Esta pesquisa tem o objetivo de coletar dados e narrativas para compor o livro Eu Tu Elas, que aborda a violência sexual contra mulheres e crianças, dentro de um processo de escuta e diálogo, com muito acolhimento e respeito a todas as narrativas que aqui chegarem, além de preservar a identidade das participantes com ética e discrição. As respostas ocultam a identidade das participantes, não tenho acesso a nenhuma informação sobre quem está respondendo, portanto, fiquem tranquilas sobre a total e absoluta discrição quanto à preservação das identidades."
As pessoas puderam usar pseudônimos e foram solicitados idade, localização, etnia, gênero e sexualidade das participantes. As perguntas foram elaboradas a partir de informações retiradas dos sites Agência Patrícia Galvão, Childhood Brasil e Infância Segura. O questionário foi disponibilizado nas redes no dia 01 de fevereiro e circulou até o dia 28 de fevereiro de 2023. O link para o formulário foi encaminhado para grupos de WhatsApp, fixado em perfis de Instagram e redistribuído por parceiras que se juntaram ao movimento.
Foram recebidas 138 respostas. Dessas, apenas um formulário veio sem resposta alguma. Então serão consideradas 137 participações. Das informações fornecidas, participaram mulheres de 20 a 75 anos. Os Estados participantes foram Bahia, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, além do Distrito Federal. Das 136 mulheres que responderam sobre etnia, 76,5% eram brancas, 16,9% eram negras, 5,9% eram amarelas e 0,7% indígenas. Apenas 26 mulheres responderam quanto ao gênero, sendo 25 cisgênero, uma agênero, e nenhuma se identificou como trans ou travesti. Com relação à sexualidade, 108 mulheres se identificaram como heterossexuais, 7 delas se afirmaram homossexuais, 10 bissexuais, 1 demissexual e 1 assexual birromântica.
Reproduzirei as questões aqui, a fim de elucidar as dinâmicas de abuso e violência sexual, assim como para que tenham condições de identificar-se ou não como vítimas desta violência.
QUESTIONÁRIO
"Abuso sexual infantil é o termo utilizado para nomear qualquer ato sexual que envolva crianças ou adolescentes, incluindo desde carícias e toques íntimos, masturbação, exibicionismo e voyerismo, penetração vaginal, anal ou oral, entre outras práticas que podem ou não envolver contato físico"
1 - Você já foi vítima de abuso sexual?
RESPOSTAS
72,2% Sim
27,7% Não
O abuso sexual pode acontecer de algumas formas:
Sem contato físico: conversas sobre atividade sexuais, assédio (propostas de relações sexuais por chantagem ou ameaça) exibicionismo, voyerismo (observar fixamente atos ou órgãos sexuais de outras pessoas, com o objetivo de obter satisfação sexual), exibição de material pornográfico à criança ou adolescente.
Com contato físico: tentativas de relações sexuais, toques, beijos e carícias nos órgãos genitais e demais regiões erógenas do corpo, masturbação, penetração vaginal e anal, sexo oral.
2 - O abuso que você sobre foi:
RESPOSTAS
49,5% Com contato físico
11,1% Sem contato físico
39,4% De ambas as formas
3 - Qual idade você tinha?
RESPOSTAS
2,1% 0 a 3 anos
13,1% 4 a 6 anos
23,3% 7 a 9 anos
14,5% 10 a 12 anos
5,8 % 13 a 15 anos
2,9% 16 a 18 anos
6,5% acima de 18 anos
0,7% Não informaram
4 - Por quanto tempo você foi submetida a esta ou a estas violências?
RESPOSTAS
14,5% Uma vez
16% Algumas vezes
7,2% Meses
26,2% Anos
3,6% Não lembram
2,1% Não informaram
"O abuso sexual intrafamiliar é o mais frequente e envolve a atividade sexual entre uma criança ou adolescente e um membro imediato da família (pai, padrasto, irmão) ou próximo (tio, tia, avô), ou com parentes que a criança considere membros da família". Fonte: Infância Segura.
5. Quem foi ou quem foram seus agressores? Assinale quantas respostas forem necessárias.
RESPOSTAS
26,5% Tio
15,6% Padrasto
9,3% Primo
9,3% Irmão
6,2% Pai
4,6% Cunhado
4,6% Irmã
3,1% Avô
1,5% Prima
10,9% Outro Parente
"O abuso sexual extrafamiliar é qualquer forma de prática sexual envolvendo uma criança/ adolescente e alguém que não faça parte da família. Na maioria dos casos, o agressor é conhecido e tem acesso à criança (ex. vizinho, religioso, professor, babá, amigo da família)". Fonte: Infância Segura.
6 - Quem foi ou quem foram seus agressores? Assinale quantas respostas forem necessárias.
RESPOSTAS
29,3% Vizinho
27,5% Amigo da família
25,85 Desconhecido*
8,6% Professor
6,8% Babá
1,7% Religioso
0,7% Médico
5,1% Não informaram
*Foi observado que as respostas assinaladas como desconhecida a identidade do agressor foram também assinaladas que sofriam abuso por anos, abrindo possibilidades para a hipótese de que as vítimas não quiseram revelar a verdadeira identidade do abusador. Em outras situações, vítimas revelaram a identidade intrafamiliar, mas também assinalaram terem sido vítimas de desconhecidos, por terem sido vítimas mais de uma vez.
7 - Na época, você contou pra alguém?
RESPOSTAS
39,5 % Sim
60,4% Não
8 - Houve acolhimento?
RESPOSTAS
44,7% Sim
55,2% Não
9 - Após você contar para alguém, foi afastada de seu abusador?
RESPOSTAS
Referente aos 39,5% que contaram para alguém
57,8% Sim
42,1% Não
10 - Estas violências deixaram sequelas emocionais que atrapalham ou atrapalharam a sua vida?
RESPOSTAS
84% Sim
15,9% Não
11 - Você acredita que o tratamento dado a você pelas pessoas com quem você se abriu, na época, fez diferença na forma como você lidou ou lida, com os possíveis traumas desta violência?
RESPOSTAS
66,1% Sim
33,8% Não
Batizada pelos parlamentares de Lei Joanna Maranhão, a Lei 12.650/2012 estabelece que o prazo de prescrição de abuso sexual de crianças e adolescentes seja contado a partir da data em que a vítima completa dezoito anos. Com isso, desde 2012, as vítimas do país ganham mais tempo para denunciar e punir seus abusadores. O prazo para a denúncia aumentou para 20 anos.
12 - Na época em que você sofreu a violência, seu agressor foi denunciado?
RESPOSTAS
3,2% Sim
99% Não
13 - A denúncia feita foi contra seu abusador:
RESPOSTAS
3,9% Intrafamiliar
3,9% Extrafamiliar
0% Fui vítima de ambos e denunciei os dois
0% Fui vítima de ambos e denunciei apenas o abusador extrafamiliar
1,3% Fui vítima de ambos e denunciei apenas o abusador intrafamiliar
90,7% Não denunciei
14 - Seu agressor sofreu alguma penalidade por este crime?
RESPOSTAS
4,3% Sim
95,7% Não
15 - Caso ele não tenha sido denunciado na época, você tem interesse em denunciá-lo?
RESPOSTAS
9% Sim
42,8% Não
27,2% Gostaria, mas venceu o prazo de denúncia
14% Agressor(a) faleceu
6,4% Não sei onde encontrá-lo(a)
Vítimas de violência sexual têm direito a atendimento obrigatório e gratuito no minuto seguinte à agressão. É o que diz a Lei Nº 12.845/2013, também conhecida como Lei do Minuto Seguinte. A lei considera violência sexual qualquer forma de ato sexual não consentido.
16 - Você recebeu atendimento médico após a agressão que sofreu?
RESPOSTAS
5,1% Sim
94,9% Não
“Para tornar o testemunho de violência sexual menos traumático para crianças vítimas ou testemunhas de violência sexual, a Chil- dhood Brasil criou o Projeto Escuta Protegida. Essa metodologia de escuta de depoimentos evita que as crianças e os adolescentes sejam revitimizados, ou seja, que tenham que recontar e reviver diversas vezes a violência que sofreram. Para a metodologia, é recomendado um espaço acolhedor e amigável, onde a criança não precise encarar o agressor, e com a presença de uma equipe multidisciplinar capaci- tada em entrevista forense com crianças. O depoimento é gravado em áudio e vídeo, para que a criança ou adolescente não precise repetir a história e reviver a violência.” Fonte: Childhood Brasil.
17 - Você sofreu revitimização junto aos órgãos responsáveis pelo seu acolhimento e proteção?
RESPOSTAS
4,3% Sim
7,6% Não
87,9% Não utilizei nenhum recurso
18 - Quantos anos você tinha quando teve consciência de que foi vítima de abuso sexual?
RESPOSTAS
12,5% 5 a 10 anos
19,7% 11 a 15 anos
22,9% 16 a 20 anos
19,7% 21 a 30 anos
20,9% 31 a 40 anos
4,2% 41 a 50 anos
19 - Você se sente ou já se sentiu culpada pela violência que sofreu?
RESPOSTAS
56,3% Sim
43,6% Não
20 - Você fez ou faz terapia para tratar dos possíveis traumas destas violências?
RESPOSTAS
58,9% Sim
41,1% Não
Exploração Sexual: Uso da criança ou do adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico. Fonte: Infância Segura.
21- Você já foi vítima de Exploração Sexual? Quando criança ou adolescente, violentaram seu corpo em troca de alimento, droga, moradia, dinheiro, entre outras compensações?
RESPOSTAS
6,6% Sim
93,4% Não
Lei n. 13.718, que entrou em vigor em 24 de setembro de 2018, inseriu o crime de importunação sexual, no capítulo "Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual", com a criação do artigo 215-A. O artigo descreve como crime o ato de praticar ato libidinoso (de caráter sexual), na presença de alguém, sem sua autorização e com a intenção de satisfazer lascívia (prazer sexual) própria ou de outra pessoa. Podem ser considerados atos libidinosos, práticas e comportamentos que tenham finalidade de satisfazer desejo sexual, tais como: apalpar, lamber, tocar, desnudar, masturbar-se ou ejacular em público, dentre outros.
22- Você já foi vítima de importunação sexual?
RESPOSTAS
64,6% Sim
35,4% Não
No Brasil, o assédio sexual é crime, definido no artigo 216-A do Código Penal como "constranger alguém como o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função". De acordo com a lei, o assédio é crime quando praticado por superior hierárquico ou ascendente. O assédio sexual pode ocorrer em diferentes lugares, como no trabalho, em casa, na escola, na igreja, etc.
23 - Você já foi vítima de assédio sexual?
RESPOSTAS
74,2% Sim
25,8% Não
Está previsto como crime de violência doméstica, pela Lei Maria da Penha, a prática de violência sexual contra mulheres.
24 - Você já foi vítima de violência sexual em seus relacionamentos afetivos?
RESPOSTAS
41,4% Sim
58,6% Não
A Lei Maria da Penha e o Código Penal estabelecem algumas práticas como crimes de violência sexual. Abaixo estão algumas delas.
25 - Você já foi vítima de algumas dessas agressões?
RESPOSTAS
16% Estupro marital - prática sexual forçada.
83,3% Manipulação para práticas sexuais que te causaram desconforto ou repulsa.
0% Forçar matrimônio, gravidez ou prostituição por meio de coação, chantagem, suborno ou manipulação.
0% Stealthing - prática que consiste na retirada de preservativo durante a relação som o consentimento da outra pessoa.
Não declararam.
FECHAMENTO DA PESQUISA
Uma pesquisa feita pelo psicólogo Júlio Peres, na USP, comprovou que o cérebro muda seu funcionamento a partir de uma conversa sobre os traumas sofridos.
"Falar sobre as dores vividas é essencial para superar um trauma. Ao fazer isso, a pessoa é capaz de reorganizar sentimentos. O estudo foi feito com 16 pacientes que sofreram estresse pós-traumático parcial (que não apresentam todos os critérios de diagnóstico). Eles passaram por oito sessões de psicoterapia. Exames de tomografia ao final do tratamento revelaram que o funcionamento cerebral é modificado com a narração. Quem passou pela psicoterapia apresentou maior atividade no córtex pré-frontal, que está envolvido com a classificação e a "rotulagem" da experiência", diz Peres. "Por outro lado, a atividade da amígdala, que está relacionada à expressão do medo, foi menos intensa. Isso fortalece a tese de que falar sobre o problema ajuda a pessoa traumatizada a controlar a memória da dor que sofreu."
Agradeço imensamente sua participação até aqui. Deixo este espaço aberto para que você se sinta à vontade para contar sua história, para falar sobre você, e se sinta escutada com muito respeito e acolhimento. Receba o meu abraço e deixo minha mão estendida para seguirmos juntas nesta caminhada! Mais uma vez, muito obrigada pela confiança!
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Outras formas de violência sexual
Pornografia Infantil – Produção, reprodução, venda, exposição, distribuição, comercialização, aquisição, posse, publicação ou divulgação de materiais pornográficos (fotografia, vídeo, desenhos, filmes) envolvendo crianças ou adolescentes.
Sexting – Envio de mensagens, fotos e vídeos pessoais de conteú- do erótico e sensual, utilizando-se de qualquer meio eletrônico. Essa prática tem despertado preocupação social, visto que é uma propagação de pornografia infantojuvenil e tem se disseminado entre adolescentes como forma de sedução, prova de amor e de competição.
Revenge Porn – Ato praticado por um dos parceiros de um casal que consiste em expor em mídia social fotos de nudez ou vídeos de sexo explícito, gravado por eles mesmos no momento de sua intimidade sexual, com o intuito de humilhar e expor o outro parceiro. Em geral é uma vingança direcionada ao revanchismo após o fim de um relacionamento.
...
Algumas histórias enviadas pelo questionário foram trabalhadas literariamente e estão no livro "Eu Tu Elas", de Claudia Jordão.
SOBRE EU TU ELAS
O livro foi publicado pela Alpharrabio Edições, está disponível para venda na Amazon e pode ser adquirido por meio deste LINK.
Para conhecer um pouco mais sobre a obra CLIQUE AQUI
Este livro foi contemplado pelo PROAC Editais 20/2022 Literatura de Não Ficção, promovido pela Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativa, do Governo do Estado de São Paulo.
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