Fragmentos de histórias recebidas pelo projeto-dossiê de "Eu Tu Elas"
- mulheresquemehabitam
- 9 de fev. de 2024
- 5 min de leitura

"Quando criança, era violentada pelo meu tio e pelos amigos dele. Nunca contei a ninguém, porque tive medo de que não acreditassem em mim." Kika, 41 anos
"O tio que cometeu o abuso contra mim era motivo de piada na família, era conhecido como o tio safado, aquele que molestou quase todas as meninas da família. Tanto a esposa quanto os outros adultos tinham conhecimento do que ele fazia contra crianças e ninguém fazia nada para impedir." Mary, 40 anos.
"Eu tinha quatro anos e minha irmã nove. Quando os meus pais saíam, minha irmã, junto com a funcionária que trabalhava na minha casa, me deitava sem roupa na poltrona da sala e ficavam me tocando. Eu me tornei uma criança sexualizada. Comecei a me masturbar muito cedo. Durante a minha infância, mantive segredo sobre essas violações e depois de um longo bloqueio na memória sobre estes acontecimentos, eu me lembrei recentemente e foi muito traumático, porque as cenas voltaram todas à minha memória. Contei aos meus pais e à minha irmã sobre estas lembranças e eles me chamaram de maluca." Diana, 47 anos.
"Fui abusada quando criança por uma mulher, na fase da adolescência por um tio e na fase adulta por vários homens, incluindo meu chefe, meu ginecologista e alguns namorados. Meu chefe chegou ao ponto de expor seus órgãos genitais e usar outras funcionárias para se aproximar de mim. Durante um exame, fui abusada pelo meu ginecologista. Além de alisar o meu clitóris, ele me perguntou se eu quem escolhia o estilo de depilação íntima, isso enquanto meu marido me esperava na sala ao lado. Saí da consulta completamente perturbada, em silêncio e sem acreditar. Fiquei atordoada por dias e nunca mais voltei lá". Ingrid, 43 anos.
“Tive consciência de que tinha sido abusada por um vizinho em minha infância, quando fiquei grávida da minha filha e comecei a pensar em como protegê-la da maldade dos homens.” Yasmin, 42 anos.

"Ele era amigo da família. Eu, uma criança, era tratada por ele como adulta. Sordidamente, ele dizia que me amava. Ele tinha uns 30 anos a mais que eu". Simone, 44 anos.
"Sofri abuso na infância, mas os meus distúrbios psicológicos começaram quando na adolescência postaram fotos íntimas minhas e passei a receber muitos xingamentos. Na escola, fui excluída das turmas e era vítima de muitos deboches. Faziam grupos no WhatsApp, adicionavam outras meninas que passaram pela mesma situação que eu, para zombarem da gente." L. 23 anos.
"O trauma que sofri pelo abuso do meu padrasto afetou minha autoestima e minha confiança nas pessoas. Entre outras questões emocionais com as quais preciso lidar, eu me tornei uma pessoa que não se sente merecedora de viver coisas boas e de sentir prazer." Aline, 28 anos.
"Estava na rua e fui vítima de um sequestro relâmpago seguido de estupro e de um terrível medo da morte. O acolhimento da minha família foi fundamental, mas não conseguiram evitar os antidepressivos, o pânico, o afastamento do meu namorado da época, a vergonha e os olhares nojentos do meu vizinho. Ele foi um dos poucos que soube da tragédia que aconteceu comigo. Bêbado, na festa de casamento de seu filho, seus olhos nojentos violentavam-me mais uma vez." K., 52 anos.
"Quando criança, fui abusada por um vizinho. Fui levada à delegacia para fazer a denúncia. Eu mal conseguia alcançar o balcão de atendimento e foi ali mesmo, em pé, que meu depoimento foi colhido. Muitas pessoas me olhavam, aguardando pelas respostas das terríveis perguntas que o policial fazia, entre elas: "Você já transou com outra pessoa?" Eu tinha 10 anos. Não consegui continuar com a denúncia. Leilane, 37 anos.

"Foi bizarro me dar conta de que fui abusada sexualmente pelo meu irmão, quatro anos mais novo que eu. Desde pequeno, ele me perseguia pela casa, tentava me imobilizar, falava muitas coisas obscenas e fazia ameaças de cunho sexual. Apesar de, na época, eu não entender bem o que significava, as perseguições eram um inferno diário. Muito provavelmente ele foi vítima de abuso sexual até mais severo do que o meu." F. 46 anos.
"Entendi o que é abuso, quando eu frequentava a faculdade. Foi um ambiente que me mostrou o que aconteceu anos atrás, e pude entender os sentimentos ruins que eu carregava, refletidos desses episódios. Muitos anos depois eu me abri com amigos e namorado. A terapia me ajudou a entender e superar os traumas". Ana, 29 anos.
Ele passava a mão em mim e ficava tentando me beijar. Eu me sentia culpada por não conseguir pará-lo. Sentia vergonha, pois era meu tio. Minhas irmãs mais novas denunciaram os abusos aos meus pais e fui totalmente acolhida. Acredito que o acolhimento que recebi ajudou-me a não ter tantos traumas, pois logo que meus pais souberam e tomaram uma atitude a meu favor, entendi que não tinha culpa, então deixei de me sentir envergonhada e culpada e passei a sentir muita raiva. Luana, 49 anos.
"Quando eu tinha dez anos fui abusada por um vizinho. Tive consciência do que aconteceu no mesmo instante, ao me sentir suja e invadida. Chorando, fui contar pra minha mãe, mas não fui acolhida, ela me disse que aquilo não era nada demais e que eu deveria parar de chorar." Rosi, 51 anos.
"Fui abusada pelo meu irmão e pelo meu tio. A falta de apoio, quando denunciei o primeiro abuso, fez com que não buscasse ajuda quando fui abusada pela segunda vez. Sabia que algo errado estava acontecendo comigo, mas fiquei em silêncio, porque entendia que estava sozinha. Fui ter consciência dos traumas que esses abusos causaram quando tive minha primeira experiência sexual com meu namorado. Sentia desejo por ele, mas depois de transar eu me sentia suja." Lírio, 41 anos.
"Quando minha mãe descobriu que eu era abusada pelo meu padrasto, ela foi embora com ele e me abandonou. Foi só aos vinte anos que tive consciência de que era vítima e não culpada por tudo o que aconteceu; mesmo assim, sou boicotada pelas minhas memórias o tempo todo, pois tenho a impressão de que meu cérebro não tem sido capaz de registrar a informação sobre a minha inocência e preciso repetir e repetir e repetir constantemente que não sou culpada". Aryane, 37 anos.
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Todas as histórias apresentadas acima foram enviadas pelas participantes do QUESTIONÁRIO realizado para a pesquisa de "Eu Tu Elas", e os nomes dados a elas são fictícios.
As ilustração acima estão na obra e são de autoria de Claudia Jordão e Luiza Marcon.
SOBRE EU TU ELAS
O livro foi publicado pela Alpharrabio Edições, está disponível para venda na Amazon e pode ser adquirido por meio deste LINK.
Para conhecer um pouco mais sobre a obra CLIQUE AQUI
Este projeto foi contemplado pelo PROAC Editais 20/2022 Literatura de Não Ficção, promovido pela Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativa, do Governo do Estado de São Paulo.
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