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Quando foi que você se descobriu mulher?

Atualizado: 16 de fev. de 2021

Em algum momento da sua vida você já parou para refletir quando foi que você se descobriu mulher?


Straw hats

Certa vez, ao mediar uma oficina junto ao NED – Núcleo de Experimentos em Dramaturgia, coletivo que componho aqui na cidade de São Bernardo do Campo, estávamos pensando em como poderíamos começar a oficina, quais ou qual provocação poderia dar o ponto de partida para a oficina, que tinha como objetivo trabalhar a dramaturgia a partir de um estudo feminista.


Chegamos à pergunta:


“Quando foi que você se descobriu mulher?”

Esta questão não envolvia o fato de nascermos com a genitália que insiste em definir o gênero, mas sim em como você se descobriu um ser social feminino e quando foi que você passou a ter consciência desta condição? Fizemos uma proposta para as participantes para que escrevessem um depoimento respondendo esta pergunta e nos colocamos também em atividade. Lembro-me de fazer um processo de regressão e quando cheguei a resposta para esta questão, eu era uma menina de 9 anos.


Eu sou a filha mais velha de cinco filhos.

Logo depois de mim nasceram dois meninos, nossa diferença de idade, é de um ano e meio para o segundo filho e dois anos e meio para o terceiro. É... minha mãe teve três filhos seguidos, um por ano.


Quando eu tinha nove anos, meu pai trabalhava como caminhoneiro e ficava um tempo fora de casa, durante a semana. Eu e meus irmãos brincávamos juntos o tempo todo! Eu adorava soltar pipa, brincar de bola, correr na rua, e sentir a liberdade que toda criança deseja, sem que digam a ela que isso é para menina e aquilo para menino.


Minha casa, era constituída dentro de preceitos religiosos conservadores


Meninas e meninos não podiam se ver nus, não podiam ser curiosos ao ponto de se observarem e muito menos de se tocarem. Eu e meus irmãos: nove, oito e sete anos! Éramos crianças que brincavam juntas, descobriam muitas coisas juntas e despertou em nós a curiosidade sobre nossos corpos, mas não me lembro deste assunto ser dito em casa com tranquilidade. Muito pelo contrário, era um verdadeiro tabu.


Certo dia, trancamo-nos no armário da minha mãe.

Um guarda-roupas, que me lembro exatamente como ele era. Madeira escura, seis portas largas, que abriam com chave. As duas portas do meio tinham roupas em cabides que deixavam um vão embaixo, formando uma espécie de cabana. Entramos os três lá dentro e fechamos a porta. Lembro-me de ver pela primeira vez um pênis, a genitália masculina. Éramos três crianças descobrindo nossos corpos diferentes. Eu me lembro de sentir muita culpa por estar ali, pois meus pais jamais aceitariam que nos submetêssemos a esta curiosidade.


De repente a porta se abriu e fomos pegos de surpresa!


Quando meu pai chegou de viagem, imediatamente ficou sabendo desta travessura e lembro-me de que foi a forma mais brutal e violenta que então ele me contava que eu era mulher: Ele me jogou na cama, batia em meu rosto e me chamava, aos nove anos, de vagabunda! Eu fui a única que apanhou, meus irmãos apenas assistiram assustados a toda aquela violência.


Eu não estou aqui vilanizando o meu pai e nem me vitimizando nesta história. É estrutural, foi assim que ele aprendeu, e foi assim que ele me ensinou sobre gênero, sobre sexualidade, sobre ser mulher...


Esta foi a forma como descobri ser mulher. Coincidentemente, ou não, todas as histórias narradas durante a oficina, tinham algum caráter de violência.


E você, quando foi que se descobriu mulher?

Na foto acima, eu, aos nove anos.

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Eu sou Claudia Jordão, autora dos livros "Mulheres que me habitam" e "EU TU ELAS", ambos publicados pela Alpharrabio Edições.

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